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quarta-feira, 19 de maio de 2021

Cultura náutica - fuga de corrente a bordo

 Escola de Vela Oceano - Florianópolis


Escola de Vela Oceano - mergulho nas Galápagos (eu e Ruy Rodrigues)


As consequências de um fio desencapado

 

Por Marcelo Visintainer Lopes

Instrutor de Vela

Escola de Vela Oceano

 

Outro dia combinei com um casal de alunos que deixaria meu SUP amarrado na popa deles até o final da minha aula. Eles embarcariam mais tarde e não pretendiam velejar naquele dia.

Com ventos fortes do quadrante sul eu ativo o protocolo “B” e passo a operar na base de Jurerê.

Remei até lá e ao encostar no púlpito de popa senti uma forte descarga elétrica.

Assim que retornei ao meu veleiro avisei o amigo e ele me disse que também já havia percebido, mas ainda não conhecia a causa.

No dia seguinte repeti a operação de deixar o SUP amarrado lá e a descarga foi ainda maior. Eu estava molhado e com os pés sobre o EVA da prancha.

Resolvi dar uma checada e percebi que a fuga de corrente vinha da popa (targa, bimini ou púlpito de popa).

Toquei em outros metais e não senti nada.

Disse a ele que possivelmente havia um fio desencapado tocando na parede dos tubos de uma das estruturas da popa.

Os fios dos equipamentos instalados sobre a targa (estrutura que serve de base) costumam passar por dentro dos tubos estruturais.

Normalmente é feito um furo e por ali eles seguem até o interior do veleiro.

As rebarbas internas das furações são verdadeiras navalhas e conforme o fio vai sendo puxado para sair do outro lado, vai sendo ferido.

A perda de isolamento na união de fios (emendas) também pode causar o mesmo problema ao entrar em contato com a parede do tubo.

Sugeri a ele que desconectasse a ligação da placa solar, já que era o único equipamento instalado ali.

A fuga de corrente foi interrompida assim que ele desconectou a placa solar.

Ufa!!!

O próximo passo foi localizar o ferimento do fio e depois iniciar uma avaliação do estado dos metais e anodos abaixo da linha d’água.

Descargas elétricas podem provocar sérios problemas a bordo, não só pelo choque em si, mas pela corrosão galvânica que se propaga por todo o barco.

Diversos metais acima e abaixo da linha d’água poderão ser comprometidos (rabeta, eixo do motor, hélice, eixo do leme, mastreação, púlpitos, pilastras etc).

Em 2015, uma situação idêntica ocorreu a bordo do veleiro que eu tripulava. Rumávamos para o arquipélago das Galápagos no Wind 44’ Blue Wind.

No caminho conversávamos sobre o rígido controle das autoridades em relação à entrada de espécies invasoras e fazia muito sentido darmos uma conferida no casco antes da chegada.

Logo ao chegar na ilha o barco seria inspecionado por dentro e por fora.

Verificam a validade dos alimentos, a presença de insetos e qualquer outra coisa que possa afetar o frágil sistema das ilhas.

Enquanto uma equipe vistoria o interior, mergulhadores caem na água para verificar o casco.

Procuram por algas, cracas, mariscos etc e só depois o barco é liberado para a permanência.

Algumas milhas antes da chegada iniciamos a operação de mergulho e eu mesmo cai na água...

Comecei pelo leme e fui em direção à rabeta do motor e hélice.

Me deparei com uma estranha estrutura branca grudada na rabeta.

Parecia uma bola de algodão!

Tocando com a mão naquela coisa ela se desfez como se fosse uma farinha soprada ao vento. A rabeta estava em processo de corrosão.

No dia seguinte, já apoitados no porto Baquerizo Moreno - Ilha de San Cristóbal, descemos para entender o tamanho do estrago.

Com a ajuda de um compressor de mergulho, limpamos a área e verificamos que a corrosão estava consumindo o bordo de ataque da rabeta.

O processo ocorreu em um curto espaço de tempo, já que o casco havia sido limpo antes da passagem pelo Canal do Panamá (de 10 a 15 dias antes).

Outra coisa que chamou nossa atenção foi ao desaparecimento do anodo grande do casco e também do seu parafuso de fixação. O parafuso fora perfeitamente cortado pela corrosão galvânica.

Realizamos a limpeza profunda com escova de aço e depois aplicamos uma massa epóxi (específica para cura em baixo d’água).

A massa é tão boa que não foi necessário substituir a rabeta e o mais interessante é que o veleiro finalizou a volta ao mundo com a massa epóxi no lugar.

Embora o reparo tenha resolvido o problema, a causa da corrosão ainda era desconhecida.

Dali voltei para o Brasil e acabei não presenciando o final da história da corrosão.

O barco seguiu para a Polinésia e a corrosão continuou causando prejuízos.

Como os anodos do casco foram substituídos a corrosão subiu para o convés e começou a consumir as pilastras, deixando grandes manchas de ferrugem sobre a fibra.

Demorou mais um tempo até a causa ser descoberta: o positivo do eólico foi ferido no momento da montagem do tubo que o sustenta.

Quando o problema começou sentíamos pequenas descargas elétricas ao encostar nas estruturas da popa, mas pensávamos que era apenas a eletricidade estática.

Foi baseado nesta experiência que consegui apontar rapidamente a provável causa da fuga de corrente do barco do meu aluno.

Um simples fio descascado!

Fique atento aos sinais...

 

Bons ventos!



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